terça-feira, 18 de março de 2014

A era do homem mimado

Por Ortega Y Gasset


      O homem vulgar resolveu governar o mundo. Esta resolução de avançar para o primeiro plano social produziu-se nele, automaticamente, mal chegou a amadurecer o novo tipo de homem que ele representa. Se atendendo aos defeitos da vida pública, estuda-se a estrutura psicológica deste novo tipo de homem-massa, encontra-se o seguinte: 
1º uma impressão nativa e radical de que a vida é fácil, abastada, sem limitações trágicas; portanto, cada indivíduo médio encontra em si uma sensação de domínio e triunfo que, 2º o convida a afirmar-se a si mesmo tal qual é, a considerar bom e completo seu haver moral e intelectual. Este contentamento consigo o leva a fechar-se em si mesmo para toda instância exterior, a não ouvir, a não pôr em tela de juízo suas opiniões e a não contar com os demais. Sua sensação íntima de domínio o incita constantemente a exercer predomínio. Atuará, pois, como se somente ele e seus congêneres existissem no mundo, portanto 3º intervirá em tudo impondo sua vulgar opinião.

Este repertório de feições fez com que pensássemos em certos modos deficientes de ser homem, como o "menino mimado" e o primitivo rebelde; quer dizer, o bárbaro. (o primitivo normal, pelo contrário, é o homem mais dócil a instâncias superiores que jamais existiu - religião, tabus, tradição, costumes - ) [...] 

Este personagem, que agora anda por toda a parte e onde quer impor sua barbárie íntima, é, com efeito, o garoto mimado da história humana. O garoto mimado é o herdeiro que se comporta exclusivamente como herdeiro. Agora a herança é a civilização -as comodidades, a segurança; em suma, as vantagens da civilização. Insisto com leal desgosto em fazer ver que este homem cheio de tendências incivis, que este novíssimo bárbaro é um produto automático da civilização moderna.



Capítulo XI - A época do mocinho satisfeito. IN: A Rebelião das massas.

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